Fácil

Fácil como tirar doce de criança. Se bem que tirar doce de criança pode ser bem difícil, ainda mais se ela começar a chorar. Fácil mesmo sou eu, que acho graça da sua piada idiota e ainda pago sua cerveja. Quaisquer três acordes no violão já me deixam empolgada, mesmo que sejam de come as you are. Se for Pink Floyd melhor ainda, ponto pra você. Não precisa me ligar ou dizer que eu sou bonita, basta me olhar com o desdém de quem quer comprar, ou com tesão, se o momento calhar. Se for falar merda, melhor ficar calado. Deixa que eu falo. Como falo! E você só precisa agir como se estivesse ouvindo ou fingir que se distraiu com meu sorriso. Eu sou fácil como tabuada de 5. Não me ofendo, não me choco com seu comportamento, não me faço de desentendida. Minhas intenções são claras e a falta delas mais ainda. De difícil já basta a vida.

Maresia

Eu gosto do gosto de sal que fica na boca depois de um banho de mar e do estremecimento que dá quando o vento bate no cabelo molhado. É como o eco de um beijo uma vez roubado. Como o sopro suave de uma respiração em meu ouvido, indo e vindo como as ondas que vêm e vão e (não em vão) trazem consigo o hálito fresco da maré.

Minha sina é sentir saudade do gosto do cheiro da cor do som do toque de tudo que uma dia eu já senti. Meu corpo guarda o calor do sol que queima marcas tatuadas em brasa. E mesmo quando eu troco a pele, o pelo guarda a lembrança do arrepio.

Nó cego

Eu aprendi a amarrar meus sapatos sozinha, vendo meu irmão tentar colocar o coelho dentro da toca, e desde então tenho essa coisa com laços. Laços de presente, de cabelo, de gravata. Laços de fita, de veludo, de cetim – e por que não laços de chita? Meus vestidos, quase todos, têm um laço na cintura. Minha árvore de natal, eu enfeito com laços. Guardo caixas te todos os tamanhos, com laços vermelhos, dourados, marfins... Um laço bem feito, com as pontas cortadas do mesmo tamanho e o tecido virado para o lado correto não é pra qualquer um. É preciso paciência, capricho. E talvez por isso tenham começado a utilizar essa palavra para descrever ligações especiais entre as pessoas: laços de sangue, de amizade, de amor. Mas eis que quando um desses laços se rompe de forma inesperada, a gente fica se perguntando: de que vale toda a pompa e beleza de um laço que se desata tão facilmente? Antes fosse um nó cego.

Um segredo

Houve um tempo em que eu adorava jogar xadrez. Em parte porque eu era apaixonada por um jogador quase profissional (bem minha cara se apaixonar pelo cara mais nerd da turma em vez do atleta popular), mas principalmente por considerar o jogo fascinante. Não pense que estou sendo esnobe ou querendo parecer inteligente quando digo isso. Na verdade, a parte da estratégia sempre foi um desafio pra mim, a ponto de eu precisar praticar comigo mesma para tentar melhorar meu desempenho - e impressionar aquele garoto, claro. Mas o que realmente me estimulava no jogo era essa possibilidade de me superar sempre.

A cada partida eu me saía melhor, e mesmo quando terminava uma rodada eu continuava relembrando cada jogada dentro da minha cabeça para entender o que eu tinha feito de errado e como eu poderia melhorar. Confesso que às vezes era realmente exaustivo. Mas apesar de ter superado essa fase - e aquela paixão - eu nunca realmente deixei de tentar me superar. Por isso, todas as vezes que eu sinto que não estou preparada para enfrentar determinada situação, eu uso minha velha estratégia do xadrez e começo a praticar comigo mesma.

Obra “prisma"

A coisa sobre Pink Floyd, é que a gente pensa que os conhece, mas cada vez que a gente escuta, experimenta uma sensação completamente diferente. Não importa que seu álbum de maior sucesso tenha sido lançado em 1973, a experiência de ouvi-lo nunca se repete, nunca se esgota, pois há sempre um elemento novo que não ainda havíamos percebido.

O “The Dark Side of the Moon” é assim: uma grande metamorfose. Individualmente, suas canções de acordes suaves arrepiam e impressionam por sua “simplicidade complexa”, mas não têm tanta força, especialmente por causa dos cortes bruscos no final. Mas conforme as faixas vão passando – e é importante que se escute o álbum na ordem original – fica claro que o álbum não é feito de músicas independentes, o álbum inteiro é uma enorme música de 43 minutos, que nos conduz por sendas secretas dentro de nós mesmos.

A princípio o que se sente é uma indescritível tranquilidade. Os elementos líricos e musicais são intercalados com perfeição, e a harmonia entre vozes e instrumentos dão a impressão de sonho, como em “The Great Ging in the Sky”, durante aquela longa sequência instrumental/vocal que faz o cérebro fluturar. Entretanto, da metade para o fim, uma angústia não-se-sabe-de-onde se instala dentro de nós em forma de melancolia. Não se trata de uma regra, é claro, mas esse fenômeno misterioso é praticamente inevitável quando se escuta o álbum com atenção.

Isto porque Roger Waters, que nesta época começava se consolidar como líder incontestável dos Floyd, escreveu letras atemporais, inspiradas nos medos e ambições impostos por uma sociedade fria e capitalista a homens cada vez menos humanos. O dinheiro é tóxico como gás em “Money”, o medo de envelhecer está em “Time”, a barreira invisível que afasta cada vez mais as pessoas em “Us and Them”, e claro, em “Brain Damage”, a clareza que só a insanidade é capaz de alcançar (there's someone in my head but it's not me). Os efeitos sonoros, como relógios, caixas registradoras, vozes aleatórias e o bater de um coração, utilizados em Dark side de forma pioneira, ajudaram a criar uma aura mística em torno do álbum, sem contar com o caráter revolucionário da produção, em um tempo em que ainda nem existiam programas de edição de áudio. Mais tarde, esses elementos seriam explorados de forma ainda mais ousada no emblemático The Wall, em 1979.

O fato é que The Dark Side of the Moon, também (des)conhecido como “aquele álbum com um triângulo e um arco-íris”, é uma experiência fantástica, psicodélica mas extremamente real (quase palpável), que infelizmente deve passar despercebido por muitos nessa nova geração. A sequência final, de “Brain Damage” e “Eclipse” garantem um final apoteótico, que não deixa outra vontade, senão a de ouvir tudo novamente.

O diabo é o pai do Rock


É triste, mas pouca gente entende a ironia de Raul. Já faz parte do imaginário popular pensar que rockeiro é drogado, baderneiro e satanista, mesmo que você não conheça um único rockeiro que seja tudo isso.  Minha mãe é a primeira a arregalar os olhos quando digo que vou para um show de rock. Ela imagina todos aqueles homens cabeludos vestidos de preto, tocando uma música barulhenta, enquanto todos os outros cabeludos balançam a cabeça. Provavelmente pensa que vou ser esmagada ou pisoteada durante uma roda punk, quando, na realidade, eu permaneço praticamente intocada dentro de um círculo invisível de proteção. Chega a ser irritante ouvir os caras falando o tempo todo: “ó a menina aí”, “cuidado com a menina”, como se eu fosse de vidro, mas só essa preocupação já é uma amostra de como os rockeiros são gente finíssima.

As rodas punks, ao contrário do que se pensa, não são uma manifestação gratuita de violência. São muito mais uma catarse coletiva onde as pessoas liberam toda aquela energia que está sendo absorvida pela música. A vibração é tão grande que é preciso extravasar, libertar os demônios (vê? libertar, não invocar). É claro que nessa brincadeira todo mundo acaba levando pelo menos uma cotovelada ou um “pisão” no pé, mas se alguém cai, tem sempre uma mão vinda não-se-sabe-de-onde pra te levantar.

Um dia desses, quando eu voltava de um show, o taxista começou a falar sobre como eu devia tomar cuidado com esses lugares, de como os rockeiros só vivem chapados e não querem nada com a vida. O irônico é que ele estava ouvindo um DVD de Whitney Houston, aquela da música “I will always love youuuuuu” do filme do guarda costas (deve ser o único sucesso dela), que curiosamente tinha acabado de morrer por overdose de cocaína. Fiquei de cara com o preconceito, ou com o conceito que ele achava que tinha sobre algo que ele provavelmente jamais havia experimentado (o rock, não as drogas).

Mas a verdade é que arte e drogas sempre andaram juntas.  As substâncias se diversificaram, algumas só mudaram de nome, mas grande parte da produção criativa da humanidade nem mesmo existiria se não fossem por elas. Eu, particularmente, agradeço ao LSD por músicas como “Shine on you crazy diamond”, do Pink Floyd, e por tantas outras do Bob Dylan, Rolling Stones e até mesmo dos próprios Beatles.

Quanto ao satanismo, convenhamos, é uma crença como outra qualquer. Assim como existe o rock cristão, também existe o rock satânico, que, aliás, atende por nomes bastante sugestivos, como Black e Death Metal, para que você não seja pego de surpresa.  Entenda, não se trata de uma regra, é apenas a beleza da democracia e da liberdade de expressão¹, que permite que as pessoas escrevam músicas sobre qualquer coisa, inclusive sobre bundinhas e garrafas. Não falo isso com desdém, acredite, o sexo é um elemento recorrente na história da música e da arte em geral, justamente por ser uma linguagem universal. Digamos apenas que alguns compositores são, hm... mais refinados do que outros.

Se o diabo é o pai do rock, então ele é também o pai do funk, do axé, do pop e da bossa nova. Mas Raul, apesar de incompreendido, já havia alertado: “Existem dois diabos, só que um parou na pista/Um deles é o do toque, o outro é aquele do exorcista”. O diabo do toque é o diabo do conhecimento, da lucidez, da resistência e da liberdade do pensamento. Einstein provavelmente curtia esse toque, o Freud também. Mas se por acaso você venha a ter com o "outro" demônio, aí meu amigo, a culpa não é do rock não!


¹ DEIXA EU FALAR, FILHA DA PUTA!

Pedaço de mim

Eu nunca tive ilusões sobre o jornalismo. Entrei no curso sabendo que era uma profissão pouco valorizada, principalmente se você não estiver sentado na bancada da globo. Se você estiver, ótimo para o seu bolso,  péssimo para sua reputação. Jornalista que ganha bem é mentiroso, manipulador e oportunista. Jornalista que se preze tem que ter sido torturado, preso na ditadura e fichado no DOPS. Jornalista tem que saber um pouco sobre tudo, mas não pode ter opinião sobre nada. Tem que ser imparcial, objetivo e profissional. Não pode se deslumbrar quando encontra alguém famoso, nem se intimidar, se estiver cobrindo uma rebelião.  Jornalista tem que medir as palavras, evitar esteriótipos e usar apenas termos politicamente corretos. 

Tudo isso eu sabia. O problema é que, de tanto ser jornalista, eu acabei esquecendo como escrever um texto honesto sobre mim, sem me preocupar se usei adjetivos demais ou se estou sendo muito sensacionalista. Não sei mais contar histórias de amor, nem brincar de rimar no telefone. Estudando jornalismo, eu, que sempre fui impulsiva, me tornei uma pessoa metódica, sempre preocupada se estou sendo prolixa ou enfadonha. Antes eu escrevia para mim, sobre qualquer coisa que tivesse cheiro. E embora isso nunca tenha feito de mim a melhor escritora,  pelo menos eu era autêntica. Agora, entretanto, eu sequer consigo reconhecer uma matéria que eu escrevi há dois meses atrás, imagine quem me lê.

Será que eu perdi minha identidade? Pela primeira vez, eu não sei se quero ser jornalista. Pelo menos não até encontrar esse pedaço que se perdeu de mim. 

Vontade de calar

Eu sempre gostei de falar. Falo pelos cotovelos, pelos joelhos, pelos olhos, pelos poros. Diria que falo tudo que penso, mas ainda seria pouco. A verdade é que tem coisas que eu digo que eu nem pensei ainda, e passo a pensar justamente porque disse.

É claro, nesta dinâmica eu já saí perdendo muitas vezes. Já disse coisas que não devia e, consequentemente, (porque tudo que vai - volta) ouvi outras que não queria. Tentei mudar isso. Tentei refletir mais. Tentei até falar pra dentro em vez de falar pra fora, mas nada deu certo. Eu precisava desta liberdade! Dar minhas opiniões mesmo que estivessem erradas, fazer suposições mesmo que não fizessem sentido. Eu precisava verbalizar não apenas pensamentos, mas sentimentos e sensações, para senti-los reais.

Acontece que tudo em excesso sobra. E acho que, de tanto falar, minhas palavras tornaram-se banais. É doloroso perceber que ninguém mais pára pra me ouvir. É como se minha voz fosse uma sopa de letrinhas que as pessoas simplesmente engolem, sem mastigar. Não importa se o que eu digo é importante ou não. Sequer percebem que entre aquele amontoado de orações subordinadas estava o meu coração.

Ao contrário do que possa parecer, eu sou uma boa ouvinte. Gosto de ouvir o que os outros têm a dizer, porque é assim eu conheço o que existe dentro deles. A voz é o instrumento que a alma usa pra cantar - as palavras são as notas -, e eu sempre me interessei por música. A minha música, porém, parece que tocou demais. Sabe aquele refrão que irrita por não sair da cabeça? É como eu me sinto. E talvez pra evitar este sentimento, tenho agora vontade de calar. Calar tudo. Todas as vozes que gritam em mim e até mesmo as dores.

Não é uma decisão, entenda, é uma vontade. Pode passar ou não. Mas agora - neste instante - a única forma de ouvir o que diz meu coração é usando um estetoscópio.

Eu sabia, agora não sei mais.

Eu sabia que era preciso ser realista. Que tudo que começa termina, mesmo que demore.  Que muito tempo às vezes parece ser pra sempre, mas que pra sempre é muito tempo pra se medir ou prever. Sabia que felicidade pode ser superficial, mas que tristeza é sempre profunda. Que sonhar é bom, mas que uma hora a gente acorda. E que se almas gêmeas existissem, elas seriam irmãs, e isso seria incesto. Eu sabia que verdades tem prazos de validade. E o amor também.

Eu sabia. Mas com ele eu desaprendi tudo que eu sabia para aprender coisas novas. Aprendi que quando se ama, seu eu todo fica lírico, e toda poesia fala um pouco de você. E que muito tempo na verdade é uma utopia: todo tempo é sempre curto demais para realizar tantos planos guardados no travesseiro. Porque amar é fazer planos. Pra amanhã, pro ano que vem ou pra próxima encarnação - a gente quer sempre adivinhar como vai ser. Mas só se for pra ser bom.

É que eu  também aprendi que perdoar é mais fácil quando a saudade aperta, e que a gente se arrepende até do que não fez pra ser perdoado mais rápido. Aprendi que a memória  de quem ama é seletiva, e que as boas lembranças são sempre o melhor refúgio para os momentos difíceis. As almas não precisam ser gêmeas  no final das contas, porque as diferenças tornam tudo mais interessante, e as semelhanças são deliciosas de se descobrir. Aprendi que mentiras são ótimos placebos pra quando a verdade fere. Afinal - eu aprendi - não é preciso ser tão realista assim.

Profissão de fé

Todas as noites ela se ajoelhava ao lado da cama, juntava as mãos e rezava para ele amá-la mais uma noite.

A arte de "inacabar" as coisas

Eu tinha resolvido fazer uma faxina no meu quarto. Esvaziei todas as prateleiras e gavetas, joguei tudo no chão e fui limpando coisa por coisa antes de devolver pro lugar. Burrice minha. É claro que eu não conseguiria arrumar tudo aquilo de uma só vez! Acabei me distraindo com as relíquias que encontrei e perdi o entusiasmo pela arrumação. Ou seja, ficou tudo jogado, até que a diarista veio e guardou tudo nos lugares errados para que eu pudesse deitar na minha cama e caminhar pelo quarto sem ter que desviar das coisas. Depois, quando procuro minhas coisas e não encontro, eu não posso nem reclamar, já que ninguém tem culpa por eu ser desorganizada demais.

Mas minha desorganização não me preocupa tanto quanto minha mania de deixar as coisas inacabadas, como eu fiz com a faxina. Meu computador está cheio de textos sem desfecho, minha estante tem uma porção de livros lidos pela metade, e existem dezenas de filmes que eu comecei a assistir e não terminei. Às vezes passo dias trabalhando em uma idéia e desisto antes de colocá-la em prática. Não é como se eu não fosse fiel aos meus ideais - eu tenho minhas convicções e chego a irritar por ser tão inflexível. Eu me refiro às coisinhas pequenas, como enviar uma carta, aprender um instrumento, experimentar uma receita... É como se nada fosse interessante o bastante para manter a minha atenção focada. Eu sempre fui meio hiperativa, então quando as coisas começam a me entediar, eu desisto delas, ou então as troco por outras coisas que me pareçam mais atraentes. E isso me incomoda, porque eu sei que a vida exige perseverança. Eu não posso desistir dos meus objetivos antes de alcançá-los, por menor que eles sejam, porque se isso vira um hábito, eu me torno uma pessoa sem propósito nenhum.

Felizmente, se minhas vontades são promíscuas e efêmeras, meus sentimentos são por demais persistentes. Eu não desisto de um amor só porque ele é complicado, nem troco de amigos porque eles não são divertidos. Outra coisa: eu não deixo as coisas pela metade quando as faço para os outros, porque eu sei que é importante pra eles. Talvez seja isso que está faltando em mim: certeza das coisas que são importantes pra mim. Eu paro e penso “não vou morrer se não fizer isso”, quando eu deveria pensar “vou fazer isso porque quero”. Eu preciso parar de ter vontades e começar a senti-las, porque aquilo que se tem pode se perder, mas sentimento é que nem energia: não se cria, nem se perde, se transforma.

Crime perfeito

Não há palavras para definir o que eu estou sentindo agora. Não é tristeza, porque a tristeza é conformista, mas também não chega a ser raiva. É uma revolta contra ninguém, porque não existem culpados. Em um crime só de vítimas, nem a vingança consola, mas permanece comigo a sensação egoísta de que alguém deveria ser punido por essa ausência que me dói tão fundo.

Poesia de bar II

Eu quero beber
Pra ficar de porre
E vomitar a saudade
Que por mais que eu mate
Não morre

Primeira parte aqui.

Sala de recepção

Eu sempre quis virar o ano chorando. Ficava observando as pessoas se abraçando e invejava seus choros com cheiro de superação, felicidade e esperança. Eu nunca tinha tido um motivo para chorar assim. Nunca tinha passado por um ano tão difícil que pudesse me arrancar lágrimas, e nunca havia superado nenhum desafio realmente grande – até esse ano.

Esse ano foi, aparentemente, mais um de estudo árduo. Mas quantas pessoas não prestaram vestibular comigo? Seria bobagem assumir esse desafio como meu. Meu desafio maior não era entrar numa faculdade. Meu verdadeiro desafio era enfrentar o meu medo de amar. Eu – que segundo dizem – tenho potencial para ser tão sensível e afetiva, me trancafiava por dentro por medo de me apaixonar. Não queria ter o coração partido novamente, porque dói muito, dói tanto quanto uma britadeira no peito; e eu sabia que quando eu amasse seria assim: tão intenso que ninguém jamais poderia corresponder na mesma proporção.

Eu me afastava de qualquer possibilidade de relacionamento. Passei dois anos me escondendo na desculpa de adorar ser solteira e livre, apenas para não precisar correr riscos, apenas para não colocar meu coração em xeque novamente. Mas alguém jogou esse jogo melhor que eu. Foi comendo pelas bordas (como fosse papa de maizena) até chegar no meu epicentro. Aí eu perdi o equilíbrio. Ainda passei um tempo fingindo que estava no controle, fingindo que as cartas quem dava era eu. Mas como eu nunca fui boa com cartas, perdi esse jogo também. Perdi tudo. Todas as minhas fichas foram roubadas sem que eu nem mesmo apostasse. Eu não tive tempo para fazer apostas. Escorreguei para o amor como quem sai rolando em uma escada. Cada degrau era um impacto (eu estava me perdendo em mim e me encontrando nele).

O ano acabou e eu estava apaixonada. Completamente entregue e vulnerável, como sempre temi – completamente magoável. Entretanto, nunca me senti tão feliz. Aprendi que se a gente souber se entregar, a entrega pode ser maravilhosa. É como perder uma responsabilidade, como passar no vestibular. Meu coração já não me pertence. Já não cabe em mim nem a mim. Meu coração agora tem outro dono, tem um síndico, um zelador e um morador (tudo em uma coisa só), e a responsabilidade é dele. Eu corro riscos, claro. Mas enquanto não inventarem um “seguro coração”, não será diferente, e até lá eu não vou deixar de amar – porque embora o desamor machuque, o amor é bom demais.

Entender isso foi minha maior vitória esse ano, e a minha maior frustração foi não ter chorado por ela. Não ter aproveitado aquela chuva de fogos de artifício para chorar minhas próprias lágrimas de superação, felicidade e esperança. Ao contrário disso, eu estava chorando por razões infantis, por tristeza vã, por ter esquecido que as pequenas coisas – os pequenos momentos – também podem ser memoráveis (talvez esse seja meu desafio do ano que vem).

[entre colchetes]

Eu estou ótima [mas as vezes me bate uma vontade tão grande de ser dona da minha própria vida! Não falo sobre ganhar o meu próprio dinheiro e morar na minha própria casa, eu falo sobre coisas simples, que nem exigem tanta liberdade. Eu quero ser dona dos meus pensamentos, quero não precisar justificá-los a toda hora, como se estivesse sob surpervisão militar. Eu quero ser levada a sério, quero ser a minha medida para todas as coisas e decidir o que é ou não importante pra mim. Eu quero ter meu espaço vital. Quero ter a chance de errar e quebrar a cara, quero ter a chance de acertar e me vangloriar pela vitória ter sido mérito apenas meu, sem intervenção de ninguém. Estou cansada de tanta gente dando pitaco, me dizendo como eu devo ser, o que eu devo fazer, o que eu devo querer... Eu não quero nada disso! Eu não quero ser assim, não sou de brinquedo, não sou controlável, não sou influenciável. Não quero ser a bonequinha brilhante em cima da estante, quero me sujar, quero quebrar minha capa de porcelana e virar gente. Não quero ser apenas um colchete no contexto da minha vida - informação adicional -, não quero estar nas entrelinhas. Quero ser linha com cerol pra quebrar as linhas de todo mundo que insiste em bordar flores no meu jardim de espinhos - deixem-me sangrar], ótima até demais.

Filmes de terror

Eu não sei exatamente quando deixei de gostar de filmes de terror. Lembro de locar um monte desses filmes para ver com minhas amigas. A gente assistia a noite, pra dar mais medo, e depois, como ninguém conseguia dormir, ficávamos contando histórias macabras e dando sustos uma nas outras. Foi também nesse tempo que eu comecei a ler Allan Poe, e descobri que não era preciso cenas cheias de efeitos especiais para provocar medo. Poe me deixava perturbada com os medos mais óbvios, como o de ser enterrada viva; quando eu lia os contos dele, parecia que estava ouvindo a trilha sonora de Tubarão.

Mas eu gostava. Na verdade, foi apenas isso que mudou: antes eu gostava de sentir medo. Hoje eu já não sinto o mínimo prazer em levar sustos, ou em ficar tensa, ou em ver gente sendo mutilada pra sofrer até a morte. Filmes de serial killers não me acrescentam em nada. É o tipo da coisa: você já sabe o que vai acontecer, só não sabe como. E é o “como” que causa aquela aflição em quem está assistindo. Filmes sobre fantasmas são melhores (menos ruins) porque dificilmente tem sangue – eu odeio sangue -, mas tem aquele silêncio insuportável que sempre precede um susto. Você sabe que vai levar um susto, só não sabe como. Dessa vez o “como” nos distrai para que sejamos pegos de surpresa. Os roteiristas, diretores, ou seja lá quem cuida disso, criam todo um clima de tensão e se aproveitam dele pra transformar uma coisa ridícula em outra coisa extremamente assustadora - um telefone tocando, por exemplo. E funciona.

Talvez eu seja uma pessoa muito medrosa mesmo e esteja apenas procurando desculpas pra não assistir filmes de terror, ou talvez seja só frescura. Mas fico pensando que o mundo já possui tanto terror, tanta morte, tanto susto inevitável, que é bobagem escolher sentir medo. Ou seja, pra mim, esses filmes são apenas uma ótima desculpa para agarrar meu namorado, cobrir os olhos na camisa dele, e aproveitar pra sentir aquele cheiro gostoso que me faz esquecer todos os meus próprios medos. Mas como eu sei que posso fazer isso a qualquer hora, dispenso o terror. 

Felicidão e Solidade.

Depois de um tempo convivendo diariamente com a solidão, a gente se acostuma. Eu me acostumei a passar o dia só, com minhas músicas, meus livros, minhas experiências culinárias, minha yoga caseira experimental e meu xadrez contra o computador. Me acostumei a ir ao cinema sozinha, me acostumei a rir e falar comigo mesma sem me importar que estejam me chamando de esquizofrênica. Me acostumei a chorar baixinho no banheiro enquanto tiro a sobrancelha (porque assim fico vermelha uma só vez), me acostumei a comer sozinha no balcão da cozinha e a tomar iogurte com a porta da geladeira aberta, para não ter que abri-la de novo caso eu queira repetir.

Mas depois de passarmos tantos bons momentos juntas - eu e a solidão -, eu me tornei uma amiga ingrata.  Eu não apenas a abandonei, como a troquei por sua maior rival:  a felicidade. Deixei a solidão jogada às moscas e fui viver o bem-me-quer que alguma flor me reservou. Me sinto culpada por não me sentir culpada, mas não posso (jamais) negar o quanto a felicidade me tem sido uma ótima companheira.

Deixo aqui, portanto, minhas sinceras desculpas à solidão. Mas peço que não venha mais me ver. Descobri que somos diferentes demais, e que nossa amizade foi apenas um engano.

Casca

Não é fuga, é defesa. Eu conheço as minhas fraquezas e sei da minha vulnerabilidade. Sei que não consigo ignorar as cobranças ou ser indiferente às expectativas.  Acho que eu vim com defeito de fabricação,  porque eu não tenho aquele botão que todo mundo tem, o tal do "foda-se". Então, se vocês me permitem, vou entrar na minha casca por um tempo. Eu saio quando achar que é seguro.

Mentiras sinceras

Quando eu minto, só minha boca mente. E quando eu vejo que quase todo mundo acredita, tenho vontade de vomitar. Às pessoas estão tão preocupadas em ouvir apenas o que elas querem, que não percebem que olhares são bem mais sinceros que palavras. Só quem ouve com os olhos entende aquele sim dizendo não, ou aquele adeus dizendo "fica". Só quem ouve com os olhos sabe quando um "eu te odeio" significa "eu te amo", e entende que, às vezes, as palavras são apenas disfarces. Mesmo quando o corpo inteiro mente, os olhos falam a verdade.

Eu minto sempre na esperança de que alguém me descubra. Minto com a boca e desminto com os olhos, ao mesmo tempo - esse é meu segredo. Minto apertando as mãos, mordendo o lábio, franzindo a testa, mas nunca desvio o olhar. Eu minto e deixo pistas pra que encontrem, nas entrelinhas das minhas mentiras, as minhas maiores verdades.

Tempo de carne e osso

Se há dez anos me perguntassem onde eu estaria em dez anos, eu com certeza não diria aqui. Quando a gente é criança, a gente tem a idéia boba de que 10 anos é muita coisa. Mas o tempo passa, e parece que os anos vão perdendo o valor. Um ano não significa mais grande coisa. Um ano pode passar, e você pode continuar exatamente no mesmo lugar.

Não digo que nesse um ano eu não mudei nada, porque estaria mentindo. Eu mudei, mas mudei pouco, e as mudanças não foram necessariamente boas. Eu me tornei mais racional, mais retraída (acreditem se quiser), e até mais cética em alguns aspectos. Fiquei feito bicho selvagem acuado – nem ataco, nem fujo. Além do mais, foram mudanças – só – de dentro, e parece que ninguém consegue me enxergar por dentro. Eu sou opaca. Não passa luz por mim.

Talvez se eu tivesse radicalizado, pintado o cabelo de azul, raspado as sobrancelhas e passado a usar saia xadrez com blusa estampada, as pessoas percebessem que eu não sou mais a mesma. E talvez parassem de me julgar pelos meus crimes do passado, e talvez parassem de usar meus próprios demônios contra mim, como se isso fosse ajudar.

A impressão que eu tenho, é que eu vivo em uma roleta viciada. Eu giro, giro, giro, e acabo sempre no mesmo lugar. Fico feliz, é verdade, que não seja uma roleta russa. Mas se fosse, pelo menos haveria algo de valor – ou não tanto valor assim – a arriscar.

Eu não sei porque as pessoas bebem, se drogam, ou se matam. Mas deve ter a ver com o que eu estou sentindo agora. Os pulmões comprimidos, como se faltasse ar, mas sem faltar. O ar ta aqui, eu tô respirando. Mas é como comer sem sentir o gosto da comida, ou cheirar sem sentir o cheiro das coisas. É como existir sem viver. [Mas claro que isso é só um surto depressivo. Logo logo vai passar. Sempre passa].

Parlapatão

Sabe aquelas pessoas irritantes que não param de falar? Prazer, essa sou eu. E, na verdade, isso não é segredo pra ninguém. Qualquer um que tenha me encontrado na padaria, sabe que eu sou uma matraca. Quanto mais eu falo, mais eu quero falar. Às vezes eu percebo que falei demais e peço desculpas por falar demais, mas sempre acabo falando demais na hora de pedir desculpas também. Felizmente, as pessoas já estão acostumadas com isso, e sabem que eu não me ofendo se me mandarem calar a boca ou algo do gênero.

Acontece que, recentemente, isso vem me prejudicando um pouco. É que quando eu fico nervosa meu falatório se intensifica - e atualmente eu estou sempre nervosa. Eu começo a pensar pela boca, e dessa forma eu me exponho demais.

Tendo isso em mente, eu iniciei uma revolução interna, e passei a exercitar o silêncio. Até ontem, era muito difícil. Era como se me faltasse uma válvula que se fechasse na hora de vomitar as palavras. Como se me faltasse auto-controle. Aliás, "como se" não; realmente me faltava auto-controle. Semana passada eu cheguei ao extremo de falar com o espelho durante quase meia hora, simplesmente porque o silêncio me angustia. Não é a toa que eu estou sempre ouvindo música, ou cantando, ou ligando pra alguém...

Mas como eu disse, tudo isso foi até ontem. Ontem, antes de dormir, eu li duas páginas (estava com muito sono para passar disso) de Orgulho e Preconceito, e me deparei com uma palavra deliciosa: parlapatão! E quando falo da palavra, não me refiro a sua semântica, mas ao som que - parece que - escorre dos lábios quando a gente pronuncia. Experimente repetir silenciosamente essa palavra... Você não sente uma coisa agradável? Ok, pode ser que eu esteja ficando louca, mas, desde ontem, parlapatão tem sido um mantra pra mim. Quando eu penso em perder o controle, eu penso em "parlapatão", e minha mente fica vazia, e de repente eu sinto que posso preenchê-la como e com o que eu quiser.

Não sei bem porque estou escrevendo isso. Talvez por achar que as coisas abstratas demais se tornam um pouco mais concretas quando se escreve sobre elas. Faz parecer que é real. E eu realmente quero que seja real, mesmo que eu tenha inventado isso pra mim mesma. Parlapatão é a válvula que me faltava, a minha palavra mágica. Portanto, fique atento, pois a sua pode aparecer a qualquer momento, e - acredite - vai ser como uma epifania surreal.

Ok [Deus?]

A brincadeira acabou. Por favor, devolva o controle da minha vida para mim. Eu não gosto do caminho que eu estou seguindo (para baixo) agora. Então, por favor, pare de enrolar e me conceda o meu pedido. Obrigada.

Totalmente pirado maluco

Minha vida inteira eu fui feita de boba. As pessoas me diziam coisas absurdas em tom de seriedade porque sabiam que eu ia acreditar, e mesmo sabendo, não desmentiam. Simplesmente se divertiam, deixando que eu falasse coisas absurdas por aí, enquanto eu jurava que estava abalando.

Uma vez (e isso faz muito tempo) eu perguntei a uma amiga mais velha o que era TPM. Ela deu uma daquelas risadas espalhafatosas de quem pensa "essa menina é demente?" e respondeu que era uma abreviação para "totalmente pirado maluco". Eu, completamente inocente, não apenas acreditei, como adotei a sigla como expressão diára. Sempre que alguém fazia/dizia algo muito legal ou muito bizarro, eu dizia "toda me achando": caramba, que TPM!

Eu nunca entendia porque todos me olhavam meio atravessado quando eu dizia isso, até descobrir o verdadeiro significado de TPM. Quando descobri, senti o efeito retardado da vergonha, e lembrei de todas as vezes que eu havia interrompido discussões em grupo para informar que estava de TPM, com a naturalidade de quem fala sobre o tempo, e o pior, aos nove anos de idade! No mínimo, pensaram que eu era muito precoce.

Hoje em dia, eu aprendi a rir disso tudo. Mas sempre que alguém me fala alguma coisa, por mais verdadeiro que aparente ser, eu pergunto: "sério?" e se a resposta for apenas "sim", eu ainda reforço com um: "sério mesmo?". Se a resposta for positiva novamente, eu finjo que acredito, mas quando chego em casa vou logo procurar no google pra ver se aquilo é mesmo possível.

El Quixote

Um dias desses eu conheci uma pessoa especial. Uma dessas pessoas que a gente fala uma vez e já se sente íntima, como se fosse amigo de longa data. Uma dessas pessoas cheias de vida, com o sorriso maior que ela própria, que parece que ta fagocitando a gente, incluindo a gente naquela felicidade sem precedentes. Uma dessas pessoas que falam, falam, falam, e a gente não se cansa de ouvir, porque é uma conversa gostosa, um papo leve, sem todas essas reclamações e lamentações que se ouve hoje em dia em qualquer esquina.

Foi um encontro interessante, e eu me emocionei como há muito não me emocionava. Eu tive vontade de chorar de felicidade, e a felicidade nem era minha! Foi um encontro com um senhor de oitenta anos que emanava uma juventude que eu, com apenas dezoito anos, não poderia emanar; e que trazia nos olhos (já azuis por causa da catarata) um brilho ofuscante, capaz de iluminar até mesmo meu sorriso já sem cor.

A princesa e a ervilha

Não é que apenas uma princesa possa sentir uma ervilha através de vinte colchões. Todos nós podemos. Mas apenas uma princesa, que possui uma corte inteirinha só para realizar seus desejos, pode se dar ao luxo de se incomodar com uma única ervilha.

Enquanto isso, nós precisamos pesar nossos problemas. Se chove ervilha sobre nossas cabeças, porque haveríamos de nos preocupar justo com a que está quietinha embaixo dos colchões? Na vida real, para não enlouquecer, é preciso engolir sapos ervilhas!

Passou.

Passou o meu surto de egoísmo. Coloquei os óculos de grau, me olhei de perto e não me reconheci. Eu não era assim antes. Eu não tinha essas olheiras escuras, nem essas pálpebras pesadas - que parecem que vão desabar a qualquer momento. Eu tenho marcas de expressão (fora a marca do sorriso, que sempre existiu), minha testa está sempre contraída, como se eu estivesse sempre com uma preocupação, e meu pescoço dói, meus ombros doem, meu coração dói enquanto seus remendos caem feito obturações mal feitas.

Hoje eu me arrependo dos dias em que eu fechava os olhos e pedia, egoisticamente, para o tempo passar, para hoje chegar. Pois bem, estou aqui, e agora eu sei que nunca vou ser realmente independente. Eu não quero ser independente. Todo mundo depende de alguma coisa, todo mundo depende de alguém.

Eu sempre aleguei que podia tomar minhas próprias decisões, que tinha idade e discernimento para separar o certo do errado. Mas discernir é só o primeiro passo, o passo mais importante vem depois: a escolha. Ontem eu escolheria o errado - e nem queria me sentir culpada por isso! E o que é realmente engraçado, é que eu não lembro de ter arrependimentos antes, quando havia sempre alguém para supervisionar minhas atitudes. Hoje? Sou cheia deles.

Por trás dessa capa de maturidade, eu sou apenas uma rebelde-sem-causa-justa. E vejam só, nem isso eu soube ser, já que voltei atrás em todos os meus planos de rebeldia pra me sentir mais livre. Eu queria me livrar do peso, mas o próprio conhecimento tem seu peso, e não dá pra ignorá-lo e sair ileso.
Todos os meus discursos caíram, acho que eu finalmente encontrei alguém que me desbanque: eu mesma.

Minha loucurinha II

Procuro alguém me desbanque completamente. Alguém que me deixe de cara no chão, que me diga que estou errada, que atropele todos os meus argumentos e ria das minhas conclusões equivocadas. Quem sabe assim, depois de desmoralizada, não haja mais como decepcionar ninguém.

Estou cansada de procurar resposta pra tudo, tanta expectativa sobre meus ombros está começando a pesar demais. As cobranças de fazer sempre o que é certo, de errar com parcimônia, viver com moderação. É difícil ser humana com tanto moralismo injetado na veia!

Não quero ser canonizada, não quero ser a madre Tereza. Quero ser correta quando achar que devo, e quando achar que não, quero andar na contra-mão. Quero furar sinais vermelhos quando estiver com pressa, falar palavrão quando estiver com raiva, mentir quando tiver vontade e dizer não sem culpa. Quero um verso sem rima, uma canção sem refrão. Quero ser pra mim e não pros outros.

Minha loucurinha

Às vezes eu me sinto como um hamster preso numa gaiola. O espaço pequeno me deixa sufocada. Eu não tenho para onde ir, e por não ter pra onde ir, enlouqueço. Todo meu hiperativismo me hiperativa, mas eu só posso correr na minha roda giratória. Dar voltas na minha maldita rotina. É como se toda essa energia que eu tenho dentro de mim estivesse sendo desperdiçada com coisas que não me interessam, e ao final do dia, já não me restasse forças para fazer aquilo que gosto.
Meu desejo é fazer uma loucura. É de fugir da minha gaiola pequena e segura e me perder no mundo. Desviar freneticamente dos sapatos gigantes na iminência de me pisotear. Quero parar de girar e deixar que a adrenalina gire em mim. Quero viver uma aventura, pular de pára-quedas, roubar um banco, desafiar a sorte, rir na cara do perigo e morrer de amor.

Exercendo a raiva

Eu queria conseguir ficar com raiva. Sei não é saudável, sei que a irritação não resolve problema algum. Mas às vezes as pessoas me dizem coisas, e fazem coisas, e me fazem sentir coisas que eu não gostaria de sentir. E nesses momentos eu sinto raiva, sinto vontade de gritar tão alto que poderia quebrar todas as vidraças de todos os lugares. Mas basta uma desculpa - mal pedida ou mal dada - para eu esquecer o que foi dito e feito, para eu esquecer quem foi o causador do mal que eu ainda sinto. Porque a sensação de raiva vai embora, mas a sensação interna de dor permanece.
É natural que as feridas levem tempo para curar, que o perdão exija tempo para se consolidar - mas não pra mim. Tudo é rápido demais, e quase tudo que é rápido demais é mal feito. Então eu fico com um corte mal suturado no peito, e um perdão mal concedido na alma. E isso vai me desgastando aos pouquinhos, como uma bexiga que vai se enchendo de ar, mais e mais, até que um dia ela estoura. E o estrago é maior pra todo mundo.

Espelho meu

E de tanto que eu falar, minhas palavras voltaram-se contra mim. Descobri que eu posso ser muito cruel, e que minha crueldade pode ferir profundamente. Descobri que eu sou bem diferente, quando refletida no espelho dos meus próprios olhos, e que é muito difícil olhar pra si mesmo da mesma forma que se olha pros outros.
Descobri que, o que eu vejo de dentro pra fora, ninguém vê. E que, a menos que tenham visão de raio x, esses outros não vão conseguir enxergar através da minha pele e da minha carne, não vão enxergar através da minha casca - como eu pensava que enxergariam.
Descobri que não importa o quanto as pessoas pareçam transparentes, elas nunca o serão completamente, porque elas têm medo de que, de tão transparentes, tornem-se invisíveis. E não importa o quanto sejam reservadas, sempre deixarão escapar um pouco de si, esperando que alguém perceba esse pouco e o entenda, sem que seja preciso avisos ou explicações.
Mas eu descobri, principalmente, que nenhuma das minhas descobertas são definitivas. Isso que somos são apenas afluentes. Nem mesmo nós provamos da fonte que nos rege por dentro.

Excesso de zelo

Há quem diga que eu sonho demais, que eu passo tanto tempo formulando idéias utópicas sobre como o mundo deveria funcionar, que acabo me esquecendo do fundamental: não importa como as coisas deveriam ser, mas sim como elas são. E aí me aparecem, aos montes, aquelas mesmas frases decoradas: "caia na real" ou (pior) "você ainda vai quebrar a cara".
Eu até entendo que estejam tentando me proteger de uma decepção maior, entendo que queiram me poupar de ver os meus sonhos destroçados mais a frente. Entretanto, embora pareça que eu vivo no mundo da lua, eu trago sempre meus pés fincados no chão. Não sou ingênua como pensam, ou criança ao ponto de achar que o mundo é um mar de flores e todas as pessoas são do bem; qualquer um que tenha assistido desenho animado sabe que existe muita gente querendo fazer os outros de escada e se aproveitar dos mais fracos (não que eu baseie minha vida em desenhos animados, foi apenas um exemplo).
Então não é uma questão de saber ou não, é uma questão de querer acreditar. Eu quero acreditar que aqueles que se aproximam de mim o fazem apenas por gostarem de mim; e sim, pode ser que eu quebre a cara mais para frente, mas eu prefiro me arrepender de algo que eu fiz a me arrepender de algo que eu não fiz por excesso de cautela ou preconceito.
Que eu seja sonhadora demais então, que eu seja boba, que me usem e que eu me torne uma dessas mulheres cheias de amargura; se isso acontecer, então eu deixarei que todos me digam "eu avisei". Mas por enquanto eu quero continuar assim... e espero conseguir provar um dia que, o que (de mais importante) falta às pessoas, é fé e confiança no que elas são - e podem ser.

Críticas construtivas

Eu finjo (muito mal) que sei, mas eu não sei aceitar críticas - construtivas ou não. Ou melhor, as não construtivas eu até aceito numa boa, mas as construtivas realmente me incomodam. É como se tivesse alguém com uma tesoura gigante me podando ao seu bel prazer. Não gosto de ser criticada, não gosto de ser corrigida, não gosto que me digam o que fazer.
Eu não me orgulho de ser assim tão orgulhosa, mas a verdade é que eu sou quase sempre do contra. Não é proposital, juro que não é, mas é que, quanto todo mundo espera que eu faça algo de um jeito, me dá uma vontade tão grande de fazer exatamente o contrário! Claro que eu não faço isso quando a minhas escolhas envolvem outras pessoas, e também não gosto de decepcionar ninguém; mas adoro contrariar aqueles que acham que me conhecem tão bem que nem precisam mais me perguntar sobre o que eu quero ou sobre o que eu sinto. Gosto de provar que meus pensamentos são só meus, e que não há uma lógica que os explique. Porque as pessoas ficam tentando interpretar os outros quando podem simplesmente perguntar?